Os números mais recentes sobre o avanço da crise climática no Brasil são contundentes. Entre 1991 e 2023, cada aumento de 0,1 °C na temperatura média global significou 360 novos registros de desastres climáticos no país, incluindo secas severas, enchentes e tempestades. A elevação da superfície oceânica, no mesmo período, trouxe ainda mais impacto: 584 novos desastres.
Essa aceleração é alarmante. Enquanto na década de 1990 o Brasil registrava, em média, 725 desastres por ano, nos últimos dez anos esse número saltou para 4.077 registros anuais – um aumento de 460%. Para cada 0,1 °C a mais na temperatura global, os prejuízos econômicos somaram cerca de R$ 5,6 bilhões em danos.
Nos 32 anos analisados, foram contabilizados 64.280 desastres climáticos em 5.117 municípios — quase 92% das cidades brasileiras. Mais de 219 milhões de pessoas foram afetadas, considerando mortos, desalojados, desabrigados e enfermos, sendo 78 milhões apenas nos últimos quatro anos. Metade dos desastres registrados corresponde a secas; inundações, enxurradas e enchentes representam 27% e tempestades, 19%.
O impacto econômico é igualmente expressivo: entre 1995 (primeiro ano de registros sistematizados) e 2023, as perdas chegaram a R$ 547,2 bilhões. Desde 2020, a média anual de prejuízos supera R$ 47 bilhões, mais que o dobro da década anterior, de R$ 22 bilhões.
Esses dados fazem parte do estudo “2024 – O Ano Mais Quente da História”, publicado pela Aliança Brasileira pela Cultura Oceânica, coordenado pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) em parceria com a Unesco, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e a Fundação Grupo Boticário, dentro da série “Brasil em Transformação: O Impacto da Crise Climática”.
A pesquisa demonstra que não falamos mais em “desastres naturais”, mas em desastres climáticos diretamente relacionados à ação humana. Isso reforça a urgência de medidas para mitigar impactos e aumentar a resiliência socioeconômica do país.
O papel do Cooperativismo Solidário no enfrentamento da crise
É nesse cenário que as cooperativas da agricultura familiar se destacam como infraestruturas sociais e econômicas. O mapeamento realizado pela Unicafes Brasil, em parceria com a Trias, mostra que mais de 92% dos agricultores cooperados já adotam práticas sustentáveis, como rotação de culturas, conservação do solo, uso eficiente da água, bioinsumos e agroflorestas. Essas práticas fortalecem a base produtiva, protegem recursos naturais e ampliam a adaptação às mudanças do clima.
Energia renovável
Um terço das cooperativas já utiliza fontes de energia limpa, especialmente solar, e 64% planejam ampliar esse uso nos próximos anos. Além disso, 94% manifestaram interesse em participar de programas de incentivo governamental, o que evidencia que o cooperativismo está preparado para ser ator central da transição energética justa.
Logística solidária
Mais da metade das cooperativas já adota estratégias de otimização de rotas para reduzir emissões e 96% demonstraram interesse em construir soluções conjuntas de transporte. Isso significa menos custos, mais eficiência e menor pegada de carbono.
Agroindustrialização sustentável
Entre as cooperativas que possuem agroindústrias, 62% já implementam práticas sustentáveis, com destaque para gestão de resíduos, redução no consumo energético e uso de fontes renováveis.
Embalagens e consumo consciente
Embora 71% das cooperativas utilizem embalagens, apenas 27% conseguiram adotar soluções sustentáveis, principalmente devido ao alto custo e à falta de fornecedores. A perspectiva, porém, é positiva: 95% das cooperativas manifestaram interesse em compras coletivas, abrindo caminho para soluções conjuntas e redução de impactos.
Inclusão social como estratégia climática
A sustentabilidade climática também passa pela inclusão de mulheres e jovens. O mapeamento revela que 68% das cooperativas possuem projetos voltados para mulheres e 48% para jovens, demonstrando que a resiliência não é apenas técnica, mas também social e intergeracional.
Considerações
Se os números da crise climática expõem perdas humanas e econômicas crescentes, os dados do cooperativismo mostram que existem alternativas concretas. As cooperativas não apenas produzem alimentos saudáveis e geram renda, mas também constroem soluções de mitigação e adaptação à altura dos desafios climáticos.
Seguindo a perspectiva do economista e filósofo, Amartya Sen, o desenvolvimento só pode ser entendido como expansão de liberdades reais – e é isso que as cooperativas oferecem: mais autonomia, mais segurança alimentar e mais democracia econômica. Em diálogo com o sociólogo Boaventura de Sousa Santos, essas experiências revelam a força dos saberes populares e tradicionais, muitas vezes invisibilizados pelo modelo dominante, mas que hoje se mostram vitais para a construção de alternativas coletivas diante da crise climática.
Assim, fortalecer o cooperativismo significa investir em infraestruturas de resiliência que unem produção sustentável, energia limpa, logística solidária e inclusão social. Diante de um futuro climático incerto, as cooperativas mostram que é possível transformar a crise em oportunidade para um desenvolvimento justo, inclusivo e sustentável.
Daniela Celuppi - Assessora do Clima da Unicafes Brasil